terça-feira, 4 de maio de 2010

Em uma noite chuvosa de setembro...

Era uma noite de sábado, estava entediado das paredes desbotadas do meu apartamento; estava atordoado por estar sozinho e sem expectativas durante mais um fim de semana.
Levantei do sofá velho e mofado – que ficava na saleta que ocupava metade do minúsculo apartamento – e vesti uma camisa que estava jogada no tapete antigo – abaixo de um centro de vidro – com um relógio quebrado; um cinzeiro transbordando de cinzas e restos de uns cigarros baratos que comprei um dia desses; uma xícara vazia; uns papéis rasgados, outros amassados; um isqueiro e um molho de chaves.
Peguei o molho de chaves e sai. Estava garoando, a lua estava cheia, era inverno, setembro, as ruas estavam molhadas e o vento soava frio.
Caminhei por algumas ruas e parei na cafeteria da Avenida 22, como de costume, entrei e fechei a porta atrás de mim e enquanto me dirigia até a última mesa do corredor avistei uma moça, bonita e bem vestida, sentada num banco junto ao balcão; fitei-a por dois segundos, baixei os olhos e segui para a minha mesa.
Sentei no lugar de sempre, no banco da parede, de modo que desse pra ver a rua através da parede de vidro. Baixei a cabeça por dez segundos. E uma voz melódica me alertou:
- Oi?
Levantei meus olhos com urgência. Era a moça que estava no balcão quando entrei. Sentada na mesma mesa que eu, bem na minha frente. Olhei pro seu rosto incrédulo com sua beleza e tentei falar:
- Oi...
Ela sorriu e apressou-se em falar:
- Então... Eu estava no balcão quando você entrou, olhei em volta e todas as mesas tinham um casal, você estava só e eu também; então pensei que poderia vir até aqui te fazer companhia... Se você não se importar, é claro!
- Não, não. Eu não me importo.
Ela sorriu mais radiante e continuou:
- O que te traz aqui?
- O acaso. O que te traz aqui?
- O destino.

Houve silêncio

- No que você está pensando?
- Não acredito em acaso.
- Acaso é a pessoa certa na hora certa.
- Não existe pessoa certa!
- Se você encontrou o melhor de si mesmo em alguém, esta é a pessoa certa.
- Muito convincente, moço.

Houve silêncio

- A mente foi feita pra vagar feito vento de vento soando nos ouvidos. A mente foi feita pra prosear com os poetas sobre a vida.
- Não vejo motivos concretos para contestar a poesia da vida.
- Não vive quem não contraria suas leis, poesia é a luta de ilusões mais lúcida que há.
- Eu prefiro minha verdade.
- Eu também. Minha ilusão é minha verdade.
- Muito convincente, moço.

Um minuto de passou. O garçom trouxe-nos duas xícaras de café e retirou-se.
Mais meio minuto.

- Não é assim que se constrói um diálogo!
- Diálogos não precisam de concordâncias.
- Diálogos precisam de interações.
- Precisam de linguagem corporal... De toque.
- Então me toque...

Nossas mãos uniram-se sobre a mesa

Seu sorriso iluminou meu rosto e acompanhado pelos meus olhos brilhando em sincronia com meu sorriso invadiu a cafeteria.

Mais um silêncio.

- No que você está pensando?
- Nas coisas que me fazem sofrer.
- O que te faz sofrer?
- As coisas que passaram... Os cursos que não pude mudar... O que devia ter vivido e somente presenciei.
- Ei! Para com isso! Olha essa Lua! Olha através dessa vidraça! Tá vendo? “O que passou, calou!” Entendeu?
- E o que virá dirá...
- Sabe, “A vida é boa, a felicidade até existe!”, entendeu?

E um silêncio longo se acumulou entre mim e a moça. Somente com as mãos nos unindo.
Eu decidi falar:

- Sabe, é setembro, é sábado! Está um frio danado lá fora.
- Dentro de nós poderia estar pior.
- Mas temos café e Jonh Lennon está cantando “Do you want to know a secret”...
- E somos sozinhos, não somos?
- Nada pode impedir sua vontade, estou aqui, flua com sua liberdade, deixe ser impulsionada somente uma vez!
- Eu não quero implicar com você. Fecha os olhos...

Nos aproximamos e nos beijamos. Quinze segundos.

- E somos somente estranhos...
- Então, diga-me seu nome!
- Isso de nada mais importa. Não nos veremos mais.
- Tem que ser assim?
- Tem que ser assim.
- Então... Isso muda tudo.
- Bastante!
- E como eu fico agora?
- Como estava antes de mim.
- Sonhando...
- Não.Você está sonhando agora.

Ela sorriu.
E então ela se foi.
E até agora eu não sei se foi real ou ilusão. Lembro-me bem de tudo, de quase tudo, tão real. O garçom, porém, nunca viu mulher alguma.
Nunca levou pra minha mesa duas xícaras de café numa noite chuvosa de setembro...

By Taynná Chaves

Colaboração ~~> Juniior.Foshariini